Relatório da Comissão terá uso político em 2022
Cientista política comenta os impactos políticos da CPI do Senado que apontou nove crimes ao presidente Jair Bolsonaro
Por Carlos Amaral – Tribuna Independente
O último dia 20 de outubro foi marcado pela leitura do relatório, de autoria do senador Renan Calheiros (MDB), da CPI da Covid-19 no Senado. O documento, com mais de mil páginas, sugere o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por nove crimes: de epidemia com resultado de morte; de infração a medidas sanitárias preventivas; de emprego irregular de verba pública; de incitação ao crime; de falsificação de documentos particulares; de charlatanismo; de prevaricação; contra a humanidade; e crime de responsabilidade. Para a cientista política Luciana Santana, os impactos políticos do documento ainda são incertos, mas a CPI gerou mudanças desde sua instauração.
“Os impactos políticos da CPI já ocorrem desde que ela foi instaurada. A gente já teve alguns danos à popularidade do presidente e certo constrangimento em relação a suas ações, muitas delas acabaram mudando um pouco, como a vacinação. Isso não deixa de ser impacto político”, pontua. “Agora, o que se terá de desdobramento após relatório, isso é incerto”, completa a cientista política.
“Agora, teremos um uso amplo deste documento, seja no âmbito institucional, com pressão para que os órgãos responsáveis investiguem o que se apresentou – especialmente a PGR [Procuradoria Geral da República]. Também haverá certa pressão sobre o Poder Legislativo, mas, a meu ver, com pouca eficácia. Teremos o uso político desse relatório ao longo do ano eleitoral e isso deve impactar a reeleição do presidente”, completa a cientista política à Tribuna.
As conclusões do relatório da CPI da Covid-19 serão enviadas a órgãos, como o Supremo Tribunal Federal (STF), a PGR, e o Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda.
PRÓS E CONTRAS
Para o deputado Paulão (PT), o Senado mostrou independência em relação ao Poder Executivo e a CPI provou os crimes cometidos durante a pandemia.
“O Senado fez um processo corajoso, trazendo personalidades, tanto institucionais quanto da iniciativa privada e seu relatório mostrou que parcela considerável do ministério da saúde virou uma quadrilha, com relação ao filho Bolsonaro, o senador Flávio, e vários militares. A atuação do Senado foi positiva, diante do genocídio que atinge mais de 600 mil pessoas no país e a ação genocida do presidente Bolsonaro”, comenta.
Já a deputada federal Tereza Nelma (PSDB), ressalta que o relatório da CPI é “a mais contundente investigação já feita pelo parlamento do Brasil e comprovou, com toda transparência, na frente das câmaras de tevê, respeitando testemunhas e investigados que se recusavam a cooperar, inclusive com a chuva de habeas corpus concedidos pelo STF, os crimes mais hediondos praticados nos subterrâneos dos traficantes da saúde. Assim, suas conclusões cuidadosas e responsáveis, se tornam um inquestionável documento histórico”, afirma a deputada federal.
Leonardo Dias (PSD), vereador em Maceió, possui posição oposta dos deputados federais ouvidos pela reportagem.
“O relatório da CPI é a mais pura obra de ficção, na qual um acumulador de inquéritos se encanta com o papel de perseguidor. Mas, não tem envergadura moral para atribuir crime a ninguém. O relatório é o roteiro daquilo que esta CPI sempre foi: um circo”, afirma o vereador bolsonarista.
A reportagem buscou saber a opinião do deputado estadual Cabo Bebeto (PTC), mas até o fechamento desta edição não houve resposta.
Possibilidades de arquivamento são reais, argumenta Welton Roberto
A CPI não tem poder para instaurar ações penais, por isso, seu relatório é encaminhado ao Ministério Público. No caso do presidente da República, diretamente à PGR, comandada por Augusto Aras. Para o advogado e professor universitário Welton Roberto, o procurador-geral da República arquivará o relatório dos senadores.
“A gente sabe que o Augusto Aras não irá denunciar o Bolsonaro por nenhum crime, por questões políticas. E ele tem essa prerrogativa de não denunciar”, crava o advogado.
Welton Roberto explica o motivo de o relatório da CPI não se tornar uma ação judicial de pronto.
“A CPI se equipara a um inquérito policial. Isso é uma das formas que a legislação permite que outras autoridades, além da policial, a realizar investigações. Uma CPI produz indícios de autoria e provas de materialidade delitiva, onde aponta, segundo seu relatório, todos os indícios que envolvam autores e crimes. Mas a CPI não tem competência alguma e poder vinculativo acerca da ação penal a ser desenvolvida e tem de encaminhar tudo a quem tem o poder de processar, que é o Ministério Público [MP}”, diz.
O advogado e professor universitário destaca três hipóteses para o relatório da CPI.
“Se o MP entender que falta elementos de convicção, ele pode requisitar novas diligências e não oferecer a denúncia. Se ele entender que os elementos são insuficientes, o MP simplesmente promove o arquivamento da CPI”, explica. “A terceira hipótese é oferecer a denúncia de ação penal e pode também não querer vincular, por exemplo, a questão do delito. Por isso, se discutiu muito a questão do genocídio que, para mim, foi uma discussão tanto quanto inútil porque só quem vai dizer se houve genocídio, homicídio, se o Bolsonaro teve alguma ação dolosa, porque não existe elemento culposo para esse tipo de crime, é o próprio Ministério Público”, completa Welton Roberto.
Ele ainda destaca que Augusto Aras pode, se não denunciar o presidente, responder a processo interno no MP.
“Se há denúncia tendo os elementos de prova, o Colégio de Procuradores pode abrir processo por prevaricação. Aí, é uma situação muito atípica, nunca ocorreu no Brasil e acredito que não acontecerá”, diz.
SEM PRERROGATIVA
Aos que não têm prerrogativa de função, ou que ela não seja no STF, Welton Roberto ressalta que o trâmite é o mesmo da situação PGR/presidente da República.
“As promotorias de cada estado também terão a competência de também fazer essa análise”, explica.